Um dos símbolos de Garanhuns conta com permanentes visitações públicas, quer da gente da cidade - que parece que vai ali para conferir o seu estado, quer daqueles que para lá acorrem no desejo de conhecê-lo nessas suas vindas à “Cidade de Simôa”, em busca de nosso clima e de nossas belezas.
Outro dia, parei por lá para caminhar por seus jardins, sempre verdes e bonitos, cuidadosamente gerenciados pelo Poder Público municipal. De repente, me apareceu um menino. Menino poeta que me perguntou se eu queria ouvir, em prosa e verso, a história do Relógio de Flores. Disse-lhe que fazia questão. E, em cordel, ele se expressava a ponto de me encantar. Perguntei, então, se ele já ouvira falar de Ronildo Maia Leite. Disse-me que não. Informei-o de que Ronildo foi um ilustre garanhuense. Homem das Letras que deixou para nós um poema muito bonito sobre o Relógio de Flores. Perguntei-lhe se desejava conhecer o poema. Ele, meio sem jeito, disse-me que sim. Mas, antes, me fez uma pergunta: “O senhor não gostou de minha declamação?” “Gostei! Gostei muito! Adorei!”, disse-lhe. “Mas vou lhe declamar o poema de Ronildo. E você haverá de gostar muito, também. O seu nome é ‘A Corola do Tempo’.”, cravei.
A propósito, trazia o poema no bolso. Sei lá se para conferir os versos de Ronildo, diante do símbolo que iria contemplar naquela tarde, quase noite, de Garanhuns. Saquei o poema do meu bolso, e comecei a recitá-lo diante de um menino atento.
“Fala-se agora do topo do Sinai,
um monte carrossel de onde o olhar rodopia pelos vales
sempre muito verdes.
Embaixo dele,
O Relógio de Flores, de fusos vegetais.
Os ponteiros são galhos de avencas,
o miolo esbugalha um girassol.
Uma rosa vermelha no meio-dia,
violetas uma hora da tarde,
papoulas às três,
hortênsias às quatro,
bogaris às cinco.
Rebentam lírios às seis da noite, na hora da Ave-maria.
Cheio de graças esse alegre canteiro.
Caprichento esse relógio único.
Sete da noite é a hora mais inconsútil de um dia inteiro.
Hora indecisa.
Parca.
Lusco-fusco.
Nem é noite propriamente dita,
embora o dia já tenha ido embora.
É hora da indecisão dos boêmios,
de quem sai do trabalho.
Indecisos anjos,
precavidos fantasmas,
cochilantes ladrões
cingindo os lábios da boca-da-noite,
assim apelidada pelos repórteres policiais.
Nada nesse mundo se conclui,
ou começa nessa hora sem marcas.
Por isso,
uma margarida amarela,
a flor das almas, de pescoço fino,
olho espremido,
onde imprecisos dedos
debulham encabuladas pétalas
jamais de malmequer, bom que se diga.
Bem-me-quer, bem-me-quer, bem-me-quer.
É de tique-taque único esse relógio de flores.
Oito da noite, gradíolas.
Nove, azaléas.
Dez, orquídeas.
Onze, crisântemos.
À meia-noite, o relógio espreme as pernas numa virilha de gramas,
cravinas, laços-de-amor
e gerânios.
Sem falar nas folhas de eucaliptos
escapulindo do Parque Euclides Dourado
para barrufar o cangote da lua,
nuínha da silva, que vem lá das bandas do Magano.
Remelexem-se os ponteiros.
Mudam o nome das horas
na proporção que a madrugada avança:
botão de cravo que vai se abrindo até as três,
quatro,
cinco.
Às seis,
a grande rosa amarela
alumiando a manhã refrescante.
Mudando famílias:
begônias,
sorrisos-de-Maria,
carinho-de-mãe,
cajados de São José.
Até ser de novo a rosa vermelha
no morno sol do meio-dia”.
Ah, Ronildo! Como você nos faz falta. Com sua irreverência. Com sua genialidade poética. Com seu jeitão despojado de se apresentar aos seus conterrâneos, e com eles bater aquele papo. Sim, aquele irresistível papo que só você sabia bater. Contando aquelas histórias e estórias da nossa cidade de seus tempos. Tempos de sua Garanhuns, de seu Ginásio Diocesano, de sua Capela, da sua estátua de São José, do olhar do Padre às suas travessuras. Mas tempos, também, da descoberta do homem das Letras que você viria a ser. Do homem das Letras que atrairia o Pe. Adelmar, a todos da Capela do Ginásio, a todos da cidade... Enfim, a todos seus conterrâneos, conferindo-os imensa vaidade por poderem dizer que você, Ronildo, foi um de nós. E entre nós fez história. Praticou exercícios exitosos.
Depois de seu poema, Ronildo, o Relógio de Flores parece que se tornou mais relógio, mantidas as flores, decerto. Por sua beleza permanente. E pelas horas... Ah! As horas! Que marca e marca, sem falhar. Sim, sem falhar, desde 1981, não registrando atrasos ou avanços, além daquele minutinho, a cada ano.
A Praça Tavares Correia ficou mais bela depois do seu Relógio de Flores, como ficou também mais belo o Jardim Inglês, em Genebra, depois da implantação do seu Relógio de Flores, em 1955. O Relógio de Flores de Garanhuns concorre em pé de igualdade com seus similares da Suíça, em Berna, Zurique e Genebra. E é motivo de orgulho para essa cidade, que cobra a sua inclusão nos destinos turísticos do país. Por justiça!
O menino, com o olhar lacrimejante, olhou para mim e disse: “Muito obrigado por ter lido para mim o poema. Ele é lindo. Você me daria uma cópia de sua letra para eu memorizar e passar a declamar na praça?” Disse: “Mas claro!” Dei-lhe um abraço. E segui para minha residência, feliz. Não sem pensar no menino. No que ele faria com Ronildo Maia Leite, daquele dia em diante.